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Projeto Tesouros da Memória do Museu Carlos Nobre


arte de Fillipe Fagundes
Arte de divulgação do projeto "Tesouros da Memória" - Arte de Fillipe Fagundes


Apresentação: 

O objetivo do Projeto “Tesouros da Memória” é convidar os visitantes do Museu Carlos Nobre a interagir através das histórias de seus próprios objetos nas redes sociais da instituição. Ao propor o desenvolvimento dessa iniciativa estabeleceremos um exercício didático sobre a atividade museal, uma vez que, ao atribuir valor aos objetos eles tornam-se vetores da história de cada um, uma das atividades inerentes aos museus. Ademais, ao convidar o público a participar, contando suas histórias, buscamos preencher a lacuna imposta pela pandemia, oferecendo cultura, história e entretenimento.

Cabe ressaltar que este projeto é inspirado pelo Museu das Coisas Banais e será lançado no Dia Internacional de Museus do ano de 2020, cujo tema norteador é “Museus para Igualdade: diversidade e inclusão”.



Discussão Teórica:

O projeto “Tesouros da Memória” nasce da necessidade de tornar o Museu Carlos Nobre mais acessível a seu público, principalmente neste momento em que estamos fechados em função da pandemia do COVID-19, é uma forma, também de nos reinventarmos.

Arte para divulgação dos objetos enviados pelos usuários do Museu - Arte de Fillipe Fagundes



Mas como o entendimento de construção da memória e da identidade através da cultura material pressupõe o entrelaçamento de conceitos complexos, cabe aqui desenvolvê-lo, ainda que brevemente.  

Entende-se, portanto que ao preservar determinado objeto e atribuí-lo sentimento de afeto, tornando-o potencializador da construção da memória e identidade pessoal existe, neste ato, o desejo consciente da construção da memória. Sobre este desejo é necessário recorrer ao conceito de Pierre Nora:

[...] a passagem da memória para a história obrigou cada grupo a redefinir sua identidade pela revitalização de sua própria história. O dever de memória faz de cada um historiador de si mesmo... todos os corpos constituídos, intelectuais ou não, sábios ou não, apesar das etnias e das minorias sociais, sentem a necessidade de ir em busca de sua própria constituição, de encontrar suas origens (NORA, 1992, p. 17).

A partir do entendimento do autor, portanto, o desenvolvimento desse projeto proporcionará extravasar o desejo - eventualmente reprimido - da construção da memória de determinados grupos sociais. Além disso, oportunizará o protagonismo aos usuários do MCN e de suas redes sociais (que podem não se ver representados na instituição física). Individualmente, representarão seus grupos sociais, o que possibilitará reivindicar seu lugar no mundo através da preservação e divulgação de seus objetos aos membros que se juntam periodicamente; é sua maneira de perpetuar a construção da identidade, ocasionada justamente por esse ato da preservação.

Sobre o ato de conservação dos objetos e seu potencial para a construção da memória e da identidade, a referência ao fazer museológico se torna evidente, Maria Cristina Bruno (1996, p. 9) ressalta que: “Museologia oferece às outras áreas uma oportunidade especial de aproximação sistemática com a sociedade presente, para a necessária e requisitada devolução do conhecimento”. De tal forma que, para a autora, a disciplina apresenta duas preocupações: a primeira se relaciona ao comportamento individual ou coletivo do homem junto a seu patrimônio, e a segunda diz respeito ao desenvolvimento de técnicas científicas para compreender essa relação, buscando, portanto, a transformação do patrimônio em herança para a construção de identidades (BRUNO, 1996).

De acordo com Octave Debary (2010, p. 29), a história museal e mesmo patrimonial parte da lógica de revalorização dos restos da história, para o autor, as dinâmicas patrimoniais surgem a partir de situações “de ruptura histórica se fazem acompanhar, com frequência, de uma política de conservação daquilo que desaparece”. Ainda sobre os museus, o autor conclui que através dessas instituições driblamos o sentimento de perecimento. Ou seja, os museus proporcionam “uma segunda vida como patrimônio” (DEBARY, p. 29) aos objetos, recusando seu descarte e proporcionando novas trocas, novos usos e mesmo novos significados.

Percebe-se, portanto, a complexidade que envolve a aquisição de novos sentidos atribuídos aos objetos. 

Nesse sentido, no que se refere à transmissão e consolidação da identidade de determinado grupo, Candau (2012) lembra que, além da escrita, outras formas menos tradicionais são, também, bastante eficientes. No caso de identidades familiares o desejo de continuidade pode se manifestar através da preservação de variados suportes como fotografias, antigos objetos etc. É possível identificar uma vontade de pertencimento e continuidade de determinada identidade

Se faz necessário, portanto, retomar Pierre Nora (1993, p. 13), quando afirma que determinadas ações, tais como a comemoração ou a criação de museus e arquivos, por exemplo, não são atividades naturais, de tal modo que “Sem vigilância comemorativa, a memória depressa os varreria. São bastiões sobre os quais se escora”.

Assim, o desejo de comemoração e a preservação dos objetos podem caracterizar-se como os elementos sóciotransmissores, postulado por Candau (2010). De acordo com o autor, esses elementos funcionam como os neurônios para o cérebro, ou seja, favorecem conexões. Segundo o autor, os sóciotransmissores podem ser todos os objetos ou comportamentos humanos, que auxiliam a estabilizar uma cadeia cognitiva entre dois ou mais indivíduos. 

Ao convidar os usuários do MCN a compartilhar as histórias que têm com seus objetos, poderemos identificar os elementos sóciotransmissores dessa comunidade e, além disso, dar voz para ecoar o desejo de memórias individuais, mas que em sua raiz são sempre construídos de forma social, compreendendo quais são os elementos que persistem no seio das comunidades, recusando o perecimento a que se refere Debary. 

Ainda que não seja objetivo do projeto “Tesouros da Memória” constituir uma coleção institucionalizada, o entendimento acerca do conceito de ‘coleção’ facilita o entendimento sobre a relação do homem com sua cultura material, e ajuda a perceber a eleição de determinados objetos para representação da identidade e da memória social. 

Sobre o ato de preservação dos objetos, e constituí-los em coleções, destaca-se o entendimento do autor Pomian, para o qual o ato de colecionar se trata, na verdade, de um paradoxo, pois esses artefatos são conservados e submetidos à proteção especial, caracterizando-os como objetos preciosos, de modo que possuem valor de troca, mas não de uso. O autor destaca ainda que a coleção é “uma instituição universalmente difundida” (POMIAN, 1984, p. 68), dependendo de uma série de fatores tais quais: o local onde foi concebido, o estado da sociedade, suas técnicas e modos de vida, além da capacidade de atribuir graus diferenciados de importância à comunicação entre o visível e o invisível através dos objetos.

Corroborando com isso, para Maria Cristina Bruno (2009, p. 14 – 15), as coisas não têm paz, e por isso, a partir de estudos relacionados à produção material:

[...] é porque as coisas não têm paz que a partir dos estudos desse universo de produção material é possível transgredir o seu contexto de visibilidade e penetrar nos cenários invisíveis, sensoriais e valorativos que extrapolam as barreiras impostas por análises pontuais ligadas, por exemplo, à medição dos objetos e à identificação da função dos artefatos, ou direcionadas para a organização de tipologias, ou ainda, esmagadas pela ênfase na proposição de hierarquias entre os conjuntos artefatuais.

Nesse sentido, Gonçalves (2007) considera que toda a coletividade dedica-se à atividade de colecionar. Embora os objetos não sejam colecionados visando aos mesmos objetivos em diferentes grupos, é através do deslocamento, essencialmente simbólico, dos objetos de uso cotidiano para coleções privadas, museus, ou mesmo para a categoria de patrimônio, que é possível observar “os processos sociais e simbólicos por meio dos quais esses objetos vêm a ser transformados ou transfigurados em ícones legitimadores de ideias, valores e identidades assumidas por diversos grupos e categorias sociais” (GONÇALVES, 2007, p. 24). Complementando essa discussão, Susan Pearce (2005) considera que os objetos incorporam informações únicas sobre a natureza do homem na sociedade. Para a autora, os objetos são importantes, pois atribuem prestígio e posição social, já que, em termos sociais, a maioria dos objetos sobreviveu por essa razão.

O projeto “Tesouros da Memória” será lançado embasado em conceitos da memória social, identidade e cultura material, discorridos ao longo desta apresentação. Conforme obtiver engajamento da comunidade será possível perceber se os caminhos adotados foram os mais adequados. 



Arte desenvolvida por Fillipe Fagundes - utilizada com objeto enviado por usuária do MCN
Os usuários do Museu Carlos Nobre serão convidados a fotografar os objetos com os quais se identificam e contar sua história. Essas histórias serão publicadas nas redes sociais da instituição instigando outras pessoas a fazer a o mesmo. 

Ao final de um ano de projeto, na Semana dos Museus de 2021, divulgaremos os resultados alcançados e entenderemos a forma como a comunidade que interage com o Museu Carlos Nobre se relaciona com sua cultura material.

Equipe:

Marina Duarte Gutierre - Museóloga
Aislan Oliveira Rodrigues - Encarregado do Museu Carlos Nobre
Bruna Moreira da Silva - Estagiária de História 
Elivelto Corrêa - Estagiário de Comunicação 
Fillipe Fagundes - Estagiário de Comunicação
Mônica Alamos - Estagiária de Comunicação 


Referências Bibliográficas:


BRUNO, Maria Cristina. Museologia e Museus: os inevitáveis caminhos entrelaçados. In: Cadernos de Sócio Museologia, Lisboa - Portugal, n. 25, 2006.

BRUNO, Maria Cristina. Estudos de Cultura material e coleções museológicas: avanços, retrocessos e desafios. In: Cultura Material e Patrimônio de Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro: Museu de Astronomia e Ciências afins – MAST, 2009.

CANDAU, Joel. Shared memory, oudors and sociotransmitters or: ‘Save the intections!’. In. Outlines – Critical Practice Studies. n. 2, p. 29-42, 2012.

CANDAU, Joel. Bases Antropológicas e expressões mundanas na busca patrimonial: memória, tradição e identidade. In: Revista Memória em Rede, Pelotas v.1, n.1., 2010.

DEBARY, Octave. Segunda mão e segunda vida: objetos, lembranças e fotografias. In: Revista Memória em Rede. Pelotas – RS. v. 2, n.3, p. 27-46, 2010.

GONÇALVES, José Reginaldo Santos. Teorias antropológicas e objetos matérias. In: Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro, Editora Garamond Ltda., 2007.

NORA, Pierre. Entre Memória e História: a problemática dos lugares. In: Projeto História, n. 10, p. 7-28, 1993.

PEARCE, Susan. Museu: Instituição de Pesquisa. In: MAST Colloquia, Rio de Janeiro, v.7, p. 12-21, 2005.

POMIAN, Krzysztof. – Coleção. in: Enciclopédia Einaudi – Memória-História. Lisboa: Imprensa Oficial/Casa da Moeda, 1984.







  

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